Dizem que escrever é uma forma de Auto amor.

Mas eu acho que escrever nada mais é do que emprestar a própria atenção a si mesma.

É o olhar para dentro, e ver o que temos de mais íntimo e criativo dentro de nós.

Já ouvi por aí dizer que “escrever poupa-nos idas ao psiquiatra”.

Assim sendo…

Pouparei decerto idas ao psiquiatra. E espero com isso levar alegria e amor a todos vocês.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ela não esperava que ele se lembrasse.
Ele sabia que era o aniversário dela, lembrava-se até da hora em que ela tinha nascido. Andou todo o dia com o telemóvel na mão, no visor lia-se o nome dela, mas faltava-lhe o mais importante… a coragem para finalizar a chamada.
O dia já ia longo, as primeiras estrelas apontavam no céu, mas ela não tinha vontade de regressar para uma casa vazia. Os colegas até lhe fizeram um almoço surpresa, a mãe ligou-lhe logo cedo, os amigos ligaram para a convencer a comemorar num bar, mas ela boicotou as investidas, alegando que estava cansada e tinha trabalho logo cedo.
No carro o rádio anunciava as 21 horas, alertava para as notícias, mas o pensamento dele estava longe dali. A cena que ele imaginava incluía beijos, abraços, risos, flores, jantar e sexo… Não necessariamente por esta ordem. Sorriu e voltou a olhar para o telemóvel…
Ela resolveu voltar a pé para casa, tinha tempo e as noites ainda eram amenas. Voltou a pensar nele, curiosamente sentiu uma certa nostalgia. Encolheu os ombros, ajeitou o cabelo e respirou fundo, até ontem achava que tinha tomado a decisão certa, hoje já não tinha tanta certeza. Sentiu saudades…
Ele lembrou-se da última noite que passaram juntos, onde os beijos foram trocados por palavras cruéis, os abraços por gestos brutos, e por toda a casa ficaram espalhados pedaços de amor por fazer, no fim da noite só a ausência dela permanecia intacta.
Doíam-lhe os pés, estava cansada, triste, só… sentiu vontade de chorar, até o teria feito se não fosse a sua vizinha meter conversa, normalmente teria gostado de uns minutos de cavaqueira, mas hoje não lhe apetecia, arranjou uma desculpa e subiu.
Ele continuava às voltas pela cidade, por momentos pensou que se ao menos soubesse onde ela morava… Abanou a cabeça com violência, se não tinha coragem para lhe ligar, quanto mais ir a casa dela. Não era covardia, simplesmente respeito pela vontade dela, só não sabia se o “não me procures mais” englobava o dia de aniversário.
Entrou em casa, descalçou os malvados sapatos, colocou a água a correr na banheira, despiu-se e entrou na água quente cheia de espuma, fechou os olhos e relaxou. Estava tudo perfeito, até que ele invadiu-lhe novamente o pensamento… diabos, pensou ela… hoje não! Até que uma mensagem a despertou da letargia… olhou para o visor e o seu coração quase parou de bater.
“Ponderei durante horas se o devia fazer ou não, mas resolvi sabotar o silêncio imposto por ti. Parabéns Sara, espero que estejas feliz, ass: André”
Chorou… não, não estava feliz… sentia a falta dele todos os dias, mas era orgulhosa demais para o admitir. Afinal ele não esqueceu o dia, ele não a esqueceu. Saltou da banheira num pulo, e mesmo molhada respondeu-lhe:
“Senti tanto a tua falta, vem…”
A visão embaçada pelas lágrimas não o deixavam ver bem a estrada, o coração estava a ponto de sair disparado pela boca, o corpo tremia e chamava por ela.
Hoje, ele tinha a certeza… o amor não ficaria por fazer…

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A azáfama nos bastidores do evento é tão grande que podia equiparar-se a Paris, Milão ou Nova Iorque, mas não… é Lisboa, depois de alguns anos ela está de regresso à cidade que a viu nascer. Sentada na mesa de maquilhagem olha fixamente para a frente, embora lá esteja um espelho, Haras não se vê reproduzida nele, o seu olhar acompanha a sua mente numa viagem à infância.
Nascera numa comunidade pobre na periferia de Lisboa, filha de mãe holandesa e pai africano. Cedo descobriu que não iria ter uma vida fácil, o seu pai morreu quando ela tinha 5 anos e a partir daí tudo se complicou quando a mãe começou a chegar a casa cada vez mais tarde, deixando-a aos cuidados da avó paterna.
Haras (nome escolhido em homenagem à avó materna {Sarah} que ela nunca conheceu), tinha os olhos verdes da mãe e a tez morena do pai, que lhe dava um ar estranho, e que a fazia chorar compulsivamente sempre que era alvo das brincadeiras dos colegas.
[Mais tarde viria a descobrir que o seu ar estranho em Paris se chamava exótico].
Sempre fora uma criança tímida, que preferia ficar em casa em vez de brincar na rua, escondia-se no quarto humilde e sonhava em ser actriz. Quando tinha 10 anos a mãe morreu de overdose e ela foi entregue definitivamente à guarda da sua velha avó, estava só no mundo!
Quando tinha 15 anos foi passar uma temporada na praia ao abrigo de uma instituição que ajudava crianças órfãs, de manhã ajudava a cuidar dos mais novos e à tarde aproveitava para tomar longos banhos de mar. Foi numa dessas idas à praia que conheceu alguém que mudaria a sua vida para sempre.
Ana era fotógrafa de uma conceituada marca de lingerie e viu naquela adolescente uma modelo com potencial. Alta, pernas longas, magra, morena sem chegar ao tom mulato e olhos tão verdes como aquele mar ao final do dia…
Haras lembra-se do dia em que ela lhe perguntou se lhe podia tirar umas fotos, encolheu os ombros e movimentou a cabeça afirmativamente, simplesmente não se importava.
A partir daquele dia tudo mudou, viu a sua avó assinar uns papéis, mandaram-na fazer a mala e seguiu com a fotógrafa num carro enorme rumo a Paris.
Foi viver num apartamento com mais três raparigas, estudava de manhã numa escola de moda e praticava à tarde numa passerelle de um velho teatro. Viveu dias difíceis, chorou noites inteiras com saudades da avó, mas sobreviveu e venceu. Desfilou para os maiores costureiros do mundo, viveu em Milão, Munique e Nova Iorque, Paris era a sua casa, nunca mais voltou a Lisboa e não tinha perdoado a avó por a ter cedido aquela gente.
Hoje tem um estatuto que poucas conhecem, é modelo exclusiva da Casa Versace.
Hoje tem um camarim só dela, uma cadeira forrada a veludo verde, e fotos espalhadas pelo mundo.
Hoje tem uma conta bancária com tantos zeros como a idade que tinha quando perdeu a mãe.
Hoje tem quase trinta anos… e continua só…
Hoje escolheu Lisboa para encerrar a sua carreira de modelo.
Hoje será a última a desfilar, encerrará o desfile com um modelo de noiva exuberante.
Hoje fará as pazes com o passado…
Batem-lhe à porta anunciando que está na hora, ela levanta-se lentamente, calça os sapatos, olha-se mais uma vez ao espelho, retoca o batom, agarra com as duas mãos no vestido imaculadamente branco e lança-se no corredor que a levará à derradeira viagem pela passerelle.
Os fotógrafos acotovelam-se para conseguir a melhor foto, as pessoas cochicham entre elas, Haras não sabe se falam dela ou do vestido, dá mais duas voltas e regressa com todas as modelos e o estilista, agradecem ao público e retiram-se…
Respira fundo, e dirige-se apressada para o camarim. Declina o convite para o cocktail alegando sentir-se cansada, no fundo quer fugir dos paparazzi e das perguntas indiscretas. Veste umas calças de ganga, uma t-shirt, calça uns ténis, retira toda a maquilhagem, apanha os cabelos num coque pega na mochila e sai. Já na rua procura um táxi, aquela hora não é fácil, afinal está em lisboa e não em Nova Iorque, sorri e caminha pela avenida até que aparece um, faz-lhe sinal e ele para. Sorri-lhe, mas ele não retribui, pergunta-se se estará aborrecido pela hora tardia se pela cor dela. (Poucas coisas mudaram em Lisboa). Entra no táxi e diz-lhe o destino, agora sim ele está mesmo aborrecido, Haras nota que ele resmunga e ela sorri por dentro. Passados uns minutos ele pára o táxi:
"Pronto menina, chegamos a Chelas, não sei se reparou que é madrugada, este local não é seguro, tem a certeza que quer ficar aqui?"
Tenho! Eu nasci aqui, responde com orgulho.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Acordou mais tarde do que o normal, mesmo para um domingo.
Pegou no telemóvel e viu as horas, já passavam das onze, puxou o lençol até ao pescoço, aconchegou-se e resolveu ficar mais uns minutos, afinal nada tinha para fazer.Mas o barulho vindo do andar de cima incomodou-a e resmungando, lá se levantou.
Foi à cozinha, encheu um copo com leite e dirigiu-se à varanda…
Comprara aquele apartamento precisamente por causa da varanda, espaçosa e virada para o rio, já ali estava há seis meses, e só hoje teve tempo para lá ir.
As reuniões tardias, as viagens em trabalho, as noites passadas em frente ao computador a terminar trabalhos que nunca tinham fim, tudo isso a tinha afastado da varanda tão desejada.
Só agora se dava conta do excelente trabalho do decorador, tinha duas poltronas, uma linda mesa de tampo dourado e uma chaise longue tudo em bege escuro, as plantas serpenteavam a varanda, bem cuidadas e floridas. Sorriu ao olhar para as margaridas… a sua leal empregada não descurava de nada, nem o mais ínfimo pormenor.
Encostou-se ao parapeito e ficou a olhar o rio e as pessoas que passeavam na rua, nunca tinha tempo para o fazer, hoje sentia-se estranhamente melancólica. Bebeu metade do leite e foi arranjar-se para sair. Olhou para a imagem reflectida  no espelho, franziu o sobrolho e pensou que até nem era feia, os cabelos negros bem tratados e  levemente ondulados chegavam pelos ombros, passou os dedos pelos lábios carnudos e pensou há quanto tempo não eram beijados. Deslizou a ponta dos dedos pelo pescoço e parou no espaço entre os seios, despiu a camisola e ficou a olhar, eram pequenos e arredondados, podia tê-los modificado, mas gostava deles assim. O ventre é plano, a maternidade tinha sido adiada e agora no alto dos seus 36 anos achava ser tarde demais.
Sentou-se na banheira e deixou a água a correr até ficar pelo pescoço, pensou nele…e depois de alguns anos as lágrimas fortemente guardadas, soltaram-se em cascata.
Quando em adolescente fora preterida por ele e pela família por não ter dinheiro e ser filha do mecânico da aldeia, Joana jurou para si mesma que um dia voltaria para esfregar na cara deles um diploma e uma carreira de sucesso.
Com o passar dos anos ela conseguiu tudo isso e muito mais, mas nunca mais voltou à aldeia.
Chegou à conclusão que ele não valia o bilhete de comboio, então porque é que justo hoje sem motivo aparente ela pensou nele e chorou?!...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Quando acordou não sabia onde estava. Por momentos pensou estar morta, mas nenhum morto teria tantas dores como as que ela estava sentido neste momento. Não se conseguia mexer, era como se estivesse amarrada á cama, e nem conseguia rodar a cabeça porque tinha algo no pescoço que a impedia de fazer qualquer movimento. Não fazia a menor ideia de onde estava, ou melhor… até fazia, pelo cheiro forte a desinfectantes hospitalares. De resto não se lembrava de mais nada.  A última coisa que se lembra foi de um jantar tardio em casa da mãe, da discussão com a irmã mais nova, do barulho que a porta fez quando saiu e de ligar a ignição do carro, mas isso tinha sido quando? Ontem? Há um mês… um ano?
Agora está aqui sozinha, presa numa cama de hospital, onde os únicos sons que escuta são os de uma máquina que não pára de fazer pi…pi…pi… incomoda-a, a cabeça parece que vai explodir, sente os olhos a arderem, quando os fecha gotas escorrem pelos cantos dos olhos. Não, não está chorando ainda, é só o efeito do ardor que sente. Mas um nó adensa-se na garganta e ela sabe que as verdadeiras lágrimas não demoram a chegar.Se ao menos chegasse alguém… tentou gritar, as palavras morriam mudas na garganta, tentou levantar um braço e nada, outro braço… nada, as pernas nem pensar… ela estava completamente morta naquela cama, só as dores insuportáveis a convenciam que ainda não tinha feito a passagem.Agora sim, as lágrimas corriam soltas e o desespero tomou conta dela.Do corredor ouviu um grito, alguém chamava um médico e segundos depois tinha a cama rodeada de batas brancas, estetoscópios e aparelhos… pronto, agora é que vou morrer, pensou ela.  Mas se vou morrer, porque se riem? Porque estão felizes?Uma senhora pergunta-lhe o nome… o nome? Que nome tenho? Ai… nem se tinha lembrado de pensar como se chamava, o nome… tentou dizer que não se lembrava, mas não conseguia falar.  Até que um tubo foi bruscamente arrancado da garganta e a sua voz foi ouvida. Quem era esta voz, quem sou eu? Pediram-lhe que contasse os números, ela sabia contar, ela tinha a certeza que sabia escrever, ela conseguia falar, ela sentia dores, ela só não sabia quem era…
Só faltava saber se isso era bom ou mau…

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Depois de muitos anos ela ganhou coragem e voltou à aquela praia!
O mar tem o mesmo tom azul turquesa de antigamente...
O balançar das ondas está hoje mais suave como se adivinhasse a sua tristeza e não a quisesse incomodar...
As folhas das palmeiras, dançam ao ritmo da brisa...
As gaivotas voam em circulos e gritam...
Um a um ela vai enterrando os pés na areia macia daquela praia deserta que guarda as mais belas recordações...
Até a velha cabana permanece intacta, como se os anos não tivessem passado e o tempo fosse pura ilusão...
Aproxima-se lentamente e por breves segundos tem a sensação que ele está ali sentado no baloiço da varanda como sempre fazia.
Pensa nele...
No sorriso que guardava só para ela...
(nunca o vira sorrir assim para mais ninguém!)Olha para o baloiço, ele tal como ela sentiu o peso do tempo e está partido.
Assim como o seu coração!...
Senta-se no degrau da cabana e fecha os olhos...
Imagina-o ali, com
o seu olhar maroto brincando com no seu corpo de menina.
Até quase que consegue ouvir o som da sua gargalhada quando o mar era mais forte que ela e a derrubava sem dó.
Imagina o toque suave dos seus dedos na sua face, desviando as mechas de cabelo quando estavam mais rebeldes!
Consegue sentir o calor do seu corpo que a aquecia depois de um banho de mar.
Inspira, enche os pulmões de ar na esperança de sentir o seu perfume... o seu cheiro!...
Mas só a essência salgada enche a sua alma...
Abre os olhos e fixa o mar...
Devia odiá-lo por o ter levado tão prematuramente mas não consegue...
Hoje a atracção que sente pelas águas agitadas é forte demais, algo a empurra até elas...
E pela primeira vez desde aquele dia ela deixa-se molhar, a água está morna e envolve-a com tanta doçura que ela tem a certeza que são os braços dele que a apertam, sente-se calma e segura por breves instantes deixa o seu corpo à deriva, boiando... Enquanto olha para o céu onde as primeiras estrelas começam a brilhar, repara no brilho especial de uma delas...
As lágrimas que brotam dos seus olhos misturam-se com a água salgada  numa comunhão perfeita...
Agora ela sabe que ele está bem!...
A estrela brilha agora com mais intensidade e vê nela o brilho cintilante dos olhos dele...
Um dia...
Ela promete!!!
"Trago aqui, o nosso filho!"
Quem sabe agora ela vai ter coragem suficiente para lhe contar a história deles!
E poder finalmente dizer-lhe que ele é fruto de um sublime amor de verão e filho da mais linda e brilhante estrela do universo!...

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Desde que mudou de casa as noites parecem-lhe mais longas que o habitual.
Dá voltas e voltas na cama e o sono não chega, já experimentou de tudo, desde beber leite morno a ler até adormecer... Ler até funciona, mas nem chega a dormir uma hora. E hoje está mais inquieta que o normal, levanta-se vai à cozinha buscar um copo de leite e senta-se no sofá com o computador no colo, lê os mail's, navega sem qualquer tipo de intuíto, é mesmo só para ocupar o tempo.
Resolve abrir uma página de uma sala de chat, nunca o fez e como tal teve alguma dificuldade em conseguir entrar, a intenção é falar com alguém do estrangeiro imagina ela que ás quatro da manhã só irá encontrar pessoas online da Austrália ou dos EUA... Mas não!
Estão três pessoas e nenhuma delas é estrangeira, fica quieta não mete conversa com ninguém mas não passa despercebida, alguém lhe diz bom dia.
Ela sorri... Bom dia??? Pois... quatro da manhã é efectivamente bom dia.
Responde boa noite, e começam a conversar.
Falam sobre tudo, profissão, clima, política, até falam do Papa e de filhos que não têm, a conversa é boa, ele parece-lhe uma pessoa inteligente e gentil, o que faz caír por terra o clichê de que salas de chat são salas de engate.
Ela não procura isso, e espera que ele não vá por aí... E não foi.
Reparou que já passava das cinco e meia e precisava preparar-se para trabalhar, despediu-se com a promessa de voltar.
Tomou um duche rapido, vestiu-se e saíu de casa, ainda a esperava quase uma hora de percurso e não queria apanhar fila na ponte.
Mas o maldito elevador resolveu trocar-lhe as voltas e não descia, ficou mais de cinco minutos parado no piso superior, já estava a ficar irritada quando ele começa a descer, abre a porta e depara-se com um jovem todo sorridente a olhar para ela, tive um contratempo com o meu cão disse desculpando-se.
Se não fosses tão bonito respondia-te à letra, pensou ela, mas hoje até estava bem disposta.
As conversas no chat com o desconhecido tornaram-se uma rotina que ela fazia questão de não quebrar, as madrugadas tinham um outro sabor.
Ele sempre a respeitara, e ela sentia-se bem com a companhia dele.
Entretanto fez amizade com o vizinho de cima, o cão um dia fugiu ela encontrou-o na entrada e foi leva-lo a casa, foi convidada a tomar um café, e a partir daí já eram assíduos em ambas as casas. Ele tinha 28 anos e era solteiro, tinha chegado há pouco tempo do Porto para ocupar um cargo na sede da empresa em Lisboa, ela tinha 35 e tinha saído de um relacionamento de vários anos, a diferença de idades era notória mas a amizade era verdadeira.
Passaram-se mais de seis meses...
Enquanto a amizade com o vizinho crescia, a atracção pelo desconhecido do chat ía ficando incontornável e já nenhum dos dois o escondia.
Para não haver complicações para ambos, escolheram encontrar-se em zona neutra num centro comercial em frente a uma loja bastante conhecida.
Ela chegou antes da hora marcada queria estar mais calma quando ele chegasse.
Ele estava sentado no banco do corredor à espera que a sua vizinha fosse embora, não queria ter de explicar o que o levara ali.
Ela mantinha-se encostada ao parapeito do piso mesmo em frente à loja.
Ele olhava para o relógio com inquietação, ela não iria aparecer... E a sua vizinha que não saía do mesmo sitio, raios, pensou ele.
Agarrou no telefone, ela tinha-lhe pedido só para a contactar em último caso, ele achava que este era o momento, afinal ela estava atrasada mais de meia hora. O telefone tocou na mala, demorou a encontra-lo, era ele...
-Estou...
-Olá...
-Não vens? Perguntou ele. Estou sentado num banco em frente ao local combinado, no outro lado do corredor
-E eu estou no local combinado, disse ela enquanto se virava para olhar para o outro lado.
Olharam-se incrédulos durante alguns segundos ainda com o telefone ligado... até que o susto deu lugar a gargalhadas... muitas gargalhadas.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Depois de tantos anos ela ainda acorda, com a sensação de que ele está ali ao meu lado!
Por breves segundos procura-o no espaço vazio e frio!...
O quarto ainda te o cheiro dele... Ou então ela imagina o aroma entranhado no seu corpo!
Ela já não sabe mais nada...
Levanta-se sem pressa, na casa de banho a escova de dentes dele ainda permanece no copo como se esperasse o seu regresso, ela já perdeu a conta a quantas vezes lhe pegou para a jogar no lixo, mas voltou a colocá-la no sitio.
Na sala retirou todas as fotos era muito angustiante vê-lo a sorrir a toda hora e porque no quarto ao lado dormia alguém que não a deixava esquecê-lo.
Os mesmos olhos cinzentos olhavam-na todos os dias.
As perguntas há muito se esgotaram, por falta de respostas...
Ele sabe que tem pai! Porque todos os meninos na escola têm!
Só que o dele foi embora sem ao menos saber que ele estava para nascer...
"Ele não te julga" pensava ela e eu não te culpo. Juro!
Afinal ele não sabe... e continua sem saber que existe algures... um menino com vontade de conhecer o pai!
Não é por egoísmo ou vontade de o castigar... ela simplesmente não sabe onde ele está!
Nunca soube...
Foi como um pesadelo...
E sem que nada o fizesse prever ele chegou a casa um dia, fez as malas e disse-lhe:
"Vou embora! "
"Amo-te mas ainda não tenho idade para estar preso a uma relação quero viajar, conhecer o mundo amadurecer..." deu-lhe um beijo e partiu dizendo: "Um dia quem sabe eu volto"
Ela ficou inerte, sem fala sentou-se no sofá para não caír, a voz não saía, as palavras morreram na garganta... Queria gritar que estava esperando um filho, mas ficou muda...
Perdeu a conta aos dias que ficava acordada até tarde, esperando que ele voltasse, tentou ligar-lhe, mas o número estava desactivado.
Qualquer barulho estranho, ela pensava que poderia ser ele... mas eram apenas ilusões!
Ele nunca mais voltou. Afinal não a amava o suficiente.
Com o tempo ela habituou-se a fazer tudo sozinha!
Os passeios à tarde na praia nas quentes tardes de Verão, as idas ao cinema, o entrar em todas as lojas e não comprar nada, montar a árvore de Natal, enfim...
Agora não!
Agora ela tem alguém que faz tudo isso com ela, um ser pequenino mas que é a sua razão de viver! E é só dela!!!
As pegadas na areia, agora são marcadas a pares... O Natal é vivido a dois, os sorrisos voltaram à sala vazia dele...
Enquanto lava os dentes ela imagina se ele voltasse, pensa que não quer pensar nisso, espera mesmo que ele nunca o faça, ela não saberia o que dizer ao filho.
Nem estava preparada para o receber...
Ela tem esperança de um dia acordar e não lançar mais os braços à sua procura...
Limpa o rosto, e volta para a sala, mas a meio caminho torna a voltar atrás, pega na escova de dentes azul e sem hesitar manda-a para o lixo.
Pronto, pensa ela:
"Já nada resta que me faça lembrar de ti..."
Apenas os mesmos olhos cinzentos... mas esses são lindos!
Um dia... quem sabe... ela vai conseguir esquecê-lo de verdade, hoje foi só um teste camuflado de coragem.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Sentada na esplanada, ela tinha perdido a noção do tempo, seu olhar vagueava perdido entre os barcos que passavam no Tejo e as pessoas que se aglomeravam na rua ao fim da tarde!
A capital já não lhe parecia tão atractiva como quando há 2 anos trocou a sua aldeia e o controle da casa paterna pela misteriosa e apelativa Lisboa.
Sentia saudades do rio, dos amigos e do pai…
Daí que antes de voltar para o minúsculo apartamento que dividia com uma colega, ela sentava-se naquela esplanada junto ao rio, não era o mesmo é certo, mas ajudava a matar saudades…
Ele não conseguiu mesa para se sentar, encostou-se à parede e bebia sem vontade uma cerveja mais amarga que o normal, qualquer coisa servia de pretexto para não voltar cedo para casa, aguardava-o mais uma discussão, pois eram assim desde há meses todos os regressos a casa. O que ele julgara ser o amor da sua vida, tornou-se o seu pior pesadelo.
Mesmo assim respeitava aquele casamento embora ela não acreditasse.
Reparou na rapariga sentada na esplanada, estava só e notava-se alguma tristeza naquele olhar perdido…
Era morena e muito bonita, sentiu uma vontade enorme de meter conversa,  a falta de mesa para sentar-se foi o pretexto para se aproximar…
Passado o susto inicial, ela acedeu a que ele se sentasse.
Ela ficou em silêncio, ele já não se lembrava de como era meter conversa com uma mulher, mas acabou por quebrar o gelo falando da aragem fresca no fim de tarde de Primavera, ela sorriu e começaram a conversar.
Falaram de trivialidades como o tempo, viagens, países que ela nunca visitou e que só conhecia pela internet, etc.
Após alguns minutos sentiram uma empatia um pelo outro e acabaram por falar da própria vida, ela comentou as saudades da aldeia, dos amigos e até das desavenças com o pai que tanto amava, ele contou-lhe da vida de casado, dos lindos dias românticos até ao pesadelo actual, falou dos filhos que desejava ter e que a mulher menosprezava.
Falou dos ciúmes doentios que ditariam um dia o fim de um casamento que ele teimava em manter, falou-lhe do amor que morria a cada dia…
Calada, bebia cada palavra, cada gesto - Ele é um homem tão lindo, pensava ela enquanto bebia o café já gelado, tão meigo e tão maltratado…
O dia findava, o Sol deixava um rasto vermelho sobre rio… Ele apressou-se a despedir-se, perguntou se ela sempre aparecia por ali… Acenou com a cabeça num gesto de afirmação: Todas as tardes!
Quem sabe voltaremos a falar, comentou ele, ela acenou que sim, e despediram-se com um beijo na face.
Durante semanas ela voltou à mesma esplanada, bebia o seu café e esperava horas…
Durante semanas ele mudou o percurso para não passar perto do rio e não cair em tentação.
Um dia ele achou que devia tentar…
Nesse dia ela desistiu de esperar...

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Já passavam das nove da noite quando entrou em casa, acendeu a luz, tirou o casaco, desapertou o nó da gravata, serviu-se de um whisky e sentou-se no sofá completamente estafado, o dia tinha sido cansativo e emocionalmente forte.
Tivera reuniões de manhã e à tarde, já estava farto de apresentar o seu projecto e não ser aceite por nenhuma empresa, (mas ele tinha aprendido a nunca desistir) e ainda por cima a secretária da última empresa onde tinha estado usava um perfume que Carlos preferia não mais ter de cheirar, quando entrou na sala, o coração bateu mais forte quando sentiu o aroma fresco a flores, poucas mulheres usavam aquele perfume e desde que ela partira ele nunca mais tinha sentido a sua presença, até ontem...
Ligou a televisão, e rodopiou de canal em canal não prestando qualquer atenção a nenhum deles, ele só queria mesmo era tirá-la da cabeça.
Bolas, durante seis meses sofreu o pão que o diabo amassou, chorou todas as lágrimas a que tinha direito, deixara de trabalhar e bebia para esquecer o quão burro tinha sido.
Ele amava e sabia que era amado, então porque fora tão casmurro ao ponto de querer cortar as asas a uma borboleta se já sabia que elas morrem sem elas.
Carlos sabia do sonho dela em ser repórter de guerra, sabia que, desde menina ela fazia reportagens em frente ao espelho usando uma escova de cabelo como microfone. Ele sabia porque ele estava lá, ele sabia porque vibrava com a garra dela e gostava tanto de a ouvir inventar cenários de guerra e outras reportagens, fora ele que lhe dera força para que deixasse o Alentejo e seguisse para a capital para tornar o sonho realidade.
Afinal eles conheciam-se desde sempre.
Ele ficou em Évora a tirar arquitectura e viam-se aos fins-de-semana, o amor foi crescendo e eles também, quando ambos terminaram o curso ele mudou-se para Lisboa e foi viver com ela, a capital mostrava mais oportunidades para eles, e ela logo conseguiu o seu lugar num jornal, não era bem o que queria, mas Diana sabia que era por ali que devia começar.
Um dia convidaram-na para fazer uma reportagem sobre a Guiné, e ela estivera uma semana fora, foi demais para ele, quando ela chegou começaram as discussões, Carlos queria que ela fosse jornalista em Lisboa, mas Diana já sonhava com outros destinos e afinal foi para isso que estudou.
Hoje ele entende, mas há cinco anos atrás obrigou-a a tomar uma decisão, ou ele ou a profissão, (que inconsequente tinha sido) claro que ela nunca abandonaria a profissão e Carlos sabia-o melhor que ninguém...
Um dia ela recebeu uma proposta que seria irrecusável, ser enviada especial no Médio Oriente para um canal de televisão, ele viu-a chorar de alegria, por dentro ele também sentia orgulho naquela menina que um dia tinha deixado tudo numa aldeia Alentejana e procurado os sonhos numa cidade desconhecida, mas por outro lado o amor que sentia por ela obrigava-o a pelo menos tentar dissuadi-la mostrando-lhe como poderia ser perigoso, que nunca mais se iriam ver... tentava cortar as asas da sua borboleta.
Ela ainda tentou, " vem comigo Carlos, podes arranjar trabalho no Dubai, afinal é lá que eu vou estar a viver" mas ele fora intransigente e não aceitara.
Dois meses depois ela partiu...
Despediram-se como se soubessem que aquele beijo seria o último, e foi...
Carlos deixara de atender as chamadas, não respondia aos e-mails e nem via o canal onde ela estava, ele só queria esquecê-la, até tinha mais ou menos conseguido não pensar nela todos os minutos, até hoje... diabos do perfume.
Levantou-se embrulhado em pensamentos, colocou uma pizza no microondas e pegou numa cerveja e voltou para a sala, resolveu  ficar a ouvir a notícias na CNN, pelo menos ali não corria o risco de a ver.
O microondas deu sinal que o jantar estava pronto, foi buscar a pizza e levou-a para a sala, quando ouve a notícia de um bombardeamento na sede da ONU no Iraque, morreram alguns trabalhadores da sede mas também alguns jornalistas que ali estavam numa conferência de imprensa.
Levou uma fatia à boca e ficou inerte a olhar para a TV. O bombardeamento tinha sido ontem, hoje estavam a mostrar a lista dos jornalistas mortos e feridos. O repórter no local ia pouco a pouco desvendando a lista, nome por nome, país por país, e ele continuava com a pizza perto da boca e o coração quase parado, e dos seus lábios só uma palavra era murmurada "Diana"...
Mas do outro lado, já tinham mudado de assunto e os nomes Diana ou Portugal não tinham sido mencionados.
Voltou a colocar a pizza no prato e pensou em ligar-lhe, mas não sabia o que dizer ao fim de cinco anos, e também porque fora ele a cortar com ela. Carlos sabia que não conseguiria dormir se não o fizesse, mas... e se do outro lado atendesse um homem? E se ela já tivesse refeito a vida? Se já tivesse filhos?
As perguntas martelavam a cabeça dele, mas o amor que sentia por ela era mais forte, agora tinha a certeza.
Pegou no telemóvel, as mãos tremiam... já passavam das 22 horas em Lisboa, ele nem imaginava que horas seriam no Dubai. Não, o melhor mesmo seria um e-mail a dizer que estava arrependido, que a amava, que queria estar com ela nem que fosse no fim do mundo, que largaria tudo, esperava a resposta dela...
Enviou a mensagem... E deixou o  seu destino nas mãos de Diana.
Passaram-se três dias e nada de resposta, a cabeça dele andava a mil à hora e nem saía mais de casa. Até que uma noite ouviu o som de mensagem recebida e com um nó no estômago dirigiu-se ao PC, era dela...
Clicou em abrir, com o coração na garganta que quase o impedia de respirar olhou para o que estava escrito...
Poucas palavras, e cada uma delas era como se um punhal gelado se enterrasse na sua carne...
"Abandonaste-me quando mais precisei de ti, deixaste-me só num país que não conhecia, em uma cultura que não era a minha, esperava muito mais de ti Carlos, sabes que até fome eu passei? Não atendeste as minhas chamadas quando o que eu precisava era de ouvir uma voz amiga que me escutasse, não respondeste aos e-mails onde eu te enviava palavras de carinho em tom de SOS, ignoraste-me e eu limitei-me a matar aquele amor adolescente, porque o homem que te tornaste eu não conheço mais, por favor não venhas"
E pela primeira vez em cinco anos Carlos voltou a chorar por ela...
E pela última vez Diana chorou por ele, assim prometeu a si mesma.
Tinha chorado durante cinco anos por ele, aquele e-mail só veio acelerar a vontade que ela tinha de o ver, mas tinha de ser forte, e escrever o que tinha vontade mas ainda não tinha tido coragem, agradecia-lhe o facto de ele ter enviado e-mail em vez de telefonar, Diana não sabia se resistiria à sua voz, afinal as palavras escritas são tão mais fáceis de pronunciar...


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Encontrava-o todos os dias na estação de metro, sempre de fato e gravata e a ler o jornal, não era bonito de morrer, mas havia algo nele que a fascinava.
Não sabia se era o ar misterioso, ou o charme que emanava a cada gesto.
Parecia estar perto dos quarenta anos, mas podia muito bem ter mais ou menos, ela nunca fora muito bem a designar idades, mas isso não lhe interessava.
Um dia sentou-se ao lado dele só para olhar para as mãos, tinha um anel de curso, mas nada de aliança (claro que isso também não era sinónimo de nada) ela estava fascinada por ele e ninguém a demovia de tentar saber quem era, onde trabalhava e principalmente se era comprometido. Mas o facto de ele nem reparar nela não ajudava muito.
As amigas riam da "paixão" pelo homem do metro, mas ela nem ligava.
Ele fazia um esforço enorme para não olhar para aquela menina que todos os dias encontrava no metro, ela pouco passava dos vinte e ele aproximava-se a passos largos para os quarenta (faltavam 15 dias). Mas os fascínio crescia a cada dia, e estava difícil de controlar a vontade de meter conversa.
Chegava cedo ao metro, podia apanhar dois antes de ela chegar, mas se o fizesse perdia a chance de vê-la chegar a sorrir com as amigas, gostava do ar descontraído e rebelde, os cabelos eram longos e negros e estavam quase sempre apanhados, quando não estavam ela arranjava maneira de os prender com o lápis durante a viagem, como se a incomodassem e ela nem ligasse ao pormenor de ter os cabelos mais lindos que ele jamais vira. Assim como não se importava de se sentar no chão com as calças de ganga já roçadas enquanto estudava um livro técnico de engenharia. Desde o primeiro momento ficou encantado por aquela menina, de vez em quando os olhares cruzavam-se e ele sentia um aperto no peito, aqueles olhos negros perseguiam-no durante todo o dia e ele logo desviava o olhar como se ela fosse só mais uma no metro.
Um dia foi promovido e mudou para o Porto, nunca mais a viu.
Um dia ela acabou o curso e voltou para a cidade natal.
E assim se passaram quase dez anos, ele nunca a esqueceu, ela lembrava-se dele de vez em quando...
O director pediu-lhe para o substituir num jantar com dois gerentes bancários, ela sabia muito bem negociar empréstimos e juros, isso não a incomodava e até gostava de os ver ceder, depois de horas de argumentos que ela tão bem defendia.
Depois de levar toda a tarde a juntar relatórios e a fazer contas quando deu por isso já era bastante tarde, só teve tempo de tomar um duche, maquilhar-se um pouco e escovar os cabelos negros que já passavam dos ombros e ela nunca tinha tempo para cortar.
Quando ele chegou já o colega e concorrente o aguardava, cumprimentaram-se e começaram a conversar sobre o assunto que iria ser debatido.
-Prepara-te que vem aí uma Dra, o Eng. não pode vir. Sabes como elas são dificeis de negociar...
-Ui... respondeu ele, a noite promete... deve ser uma daquelas solteironas ressabiadas que odeiam homens. E desataram os dois a rir enquanto bebericavam um Martini.
Ela estacionou longe, o parque do restaurante estava cheio, estava vento e começava a chuviscar, tudo contra mim (pensou ela) quando entrou no restaurante despiu o casaco, ajeitou os cabelos e perguntou qual a mesa reservada pela empresa, quando indicada ela olhou de soslaio e viu dois homens de fato já sentados, o que estava de frente para ela era jovem, ela até o achou jovem demais para aquele assunto, mas depois pensou nela propria e não fez juízos de valor sobre a idade, o outro que estava de costas parecia mais velho e o cabelo já picava o branco.
Encaminhou-se para a mesa, disse boa noite, cumprimentou-os com um aperto de mão, identificou-se e sentou-se.
Ele congelou no momento... Era ela, a menina do metro, a menina das calças roçadas e cabelos negros apanhados, só que agora ela usava uma saia justa e uma camisa aberta que deixava antever um dos seios, mas o cabelo era o mesmo...
Ela olhou para ele, a cara era-lhe familiar mas não conseguia ver de onde...
Até que a meio do jantar os olhares encontraram-se e ela finalmente associou o homem à sua frente à sua "paixão platónica" do metro quando tinha vinte anos.
Sorriu para ele, ele retribuiu... a noite ía ser longa...


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Acordou com a voz do filho que lhe perguntava:
-Estás bem mãe, dormiste no sofá?
-Não meu querido, acordei mais cedo para fazer uns relatórios e acabei encostada no sofá. Vai lá tomar o pequeno almoço senão chegas tarde à escola.
Ficou a olhar para o filho enquanto ele se dirigia para a cozinha, estava a ficar um homem, ombros largos e voz grave, e mais uma vez a presença do João fez-se notar, quando o viu andar de um lado para o outro da cozinha coçando a cabeça meio desnorteado.
O João coçava a cabeça, sempre que na escola lhe era feita uma pergunta mais difícil.
O seu filho fazia o mesmo, sempre que não encontrava o que queria ou quando estava nervoso.
Até ontem ela achava engraçado todas essas semelhanças, hoje parece-lhe que o passado entrou porta dentro como um furacão sem pedir licença, estava desprevenida e ficou sem reacção. E se havia coisa que ela detestava eram surpresas. A vida já a tinha surpreendido vezes demais até que ela começou a aprender a tomar as rédeas do seu proprio destino. Assim pensava...
Levantou-se do sofá como uma enorme dor de cabeça, e foi tomar duche.
A vida não tinha estagnado e ela precisava ir trabalhar. Saíram os dois juntos de casa, levou o filho à escola e foi directa para a empresa, uma reunião importante aguardava-a.
Durante todo o dia as palavras da amiga não lhe saíam da cabeça, a sua mãe estava doente...
Só Deus sabe como ela gostava da mãe, mas nunca lhe tinha perdoado o facto de não ter enfrentado o seu pai naquela noite para a defender, afinal ela só tinha 17 anos e precisava daquela mãe mais que nunca mas a mãe não abriu a boca nem quando o seu destino foi traçado.
Saíu mais cedo do trabalho e dirigiu-se ao Central Park, gostava de pensar enquanto via as crianças divertirem-se na pista de gelo, ali sentia-se um pouco mais perto do Douro, o cheiro a terra molhada dava-lhe paz e era isso que Sofia precisava para tomar a decisão da sua vida.
Pensou na sua mãe debilitada numa cama de hospital, frágil... ela sempre fora frágil, mas agora devia estar pior. Gostava de a ver, nem que fosse para lhe perguntar como tinha sido a sua vida durante 15 anos sem saber da sua única filha, se tinha dormido em paz durante estes anos.
Pensou no João, já devia ter uma familia e concerteza nunca mais se tinha lembrado dela.
(A única pessoa com quem mantinha contacto era a amiga que lhe telefonava ás vezes, mas tinha ficado decidido que ela nunca falaria dos pais ou do João, era a regra para manterem contacto, e a amiga tinha cumprido, até à doença da mãe)
Pensou no pai, aquele homem rude e frio que tinha cruelmente assassinado todos os seus sonhos.
Pensou no filho, aquele ser que ela tinha gerado contra tudo e contra todos, aquele menino meigo que ela amava acima de qualquer outra pessoa, aquele adolescente ás vezes tão rebelde mas que a fazia renascer a cada amanhecer quando entrava de rompante no seu quarto para a beijar até ela acordar.
Era por ele que Sofia vivia, fora por ele que ela recusara as várias investidas do seu colega, e foi por ele que ela abandonou tudo. Para que aquele ser que ela nem conhecia ainda, pudesse vir a este mundo.
E seria também por ele que Sofia não voltaria a Portugal.
Nada era mais importante na sua vida, a Sofia que nasceu e cresceu à beira do rio Douro morreu no dia que o pai a expulsou de casa. Agora só existia ela e o filho, que era sem saber, fruto do único amor da vida da sua mãe.

{The End}

quarta-feira, 27 de março de 2013

2ª parte

Andava feita tonta pela casa, aquele telefonema tirarar-lhe o sono, foi à cozinha beber água e com o copo na mão abriu a porta do quarto ao lado, o seu filho dormia profundamente. Ainda bem pensou ela, assim não teria que explicar o que durante quinze anos sempre evitou, pelo menos por agora. Embora já fosse um adolescente, Sofia não sabia como reagiria o seu filho quando soubesse que o pai dela a colocara na rua quando ela tinha 17 anos e grávida dele. Para ele Sofia não tinha pais, e Maddy era a sua avó postiça, a pessoa que acolhera sua mãe quando ela chegou a N.Y. Para ele não havia pai, nunca o conhecera e nunca fazia perguntas, o filho confiara nas suas palavras que o pai morrera antes de ele nascer, e agora Sofia sentia-se mal por não ter contado a verdade.
Sentou-se perto do filho e não conseguiu conter as lágrimas, todas as vezes que olhava para ele via o João... No sorriso, no cabelo negro desalinhado, no franzir da testa quando algo não corria bem, mas principalmente nos olhos, aqueles olhos rasos de água quando ela se despediu e disse que não sabia se voltava, ele implorou para que ficasse, mas Sofia não podia, nem sequer podia dizer-lhe que levava com ela o filho de ambos, foi a condição imposta pelo pai para lhe dar dinheiro para a viagem e a morada de um amigo em N.Y. Ela aceitou e ainda hoje se arrepende, só ficou na casa dos amigos paternos um mês, depois conheceu Matty uma senhora bondosa que frequentava o dinner onde ela trabalhava em part-time.
Matty vivia sozinha na outra ponta da cidade e depois de muitas conversas, um dia convidou-a para morar com ela (Matty era a única pessoa a saber da sua história). Sofia não pensou duas vezes e nesse dia cortou o cordão umbilical que a ligava à familia, a partir daquele dia nunca mais deu notícias, começava para ela uma nova etapa.
E ela já estava habituada a dividir a sua vida em etapas.
Beijou a testa do filho e saíu...
A sua mãe estava muito doente, esta frase não lhe saía da cabeça e deixava Sofia num dilema mortal.
Ou fingia que não sabia de nada, ou voltava para enfrentar todos os fantasmas e pior... o seu pai.
Sentou-se  no sofá, deitou a cabeça para trás chorou e adormeceu...

{continua..}

terça-feira, 26 de março de 2013

1ª Parte

Acordou com o toque estridente do telefone, olhou para o relógio que marcava 3:15 da madrugada, quem teria a ousadia de lhe ligar a esta hora, resmungando lançou o braço e pegou no auscultador:
-Hello…
Do outro lado uma voz familiar e muito querida disse a meia voz:
-Desculpa, sei que aí é madrugada, mas não ficaria bem comigo própria se não ligasse.
-Sofia a tua mãe foi hospitalizada, está muito mal.
Ao ouvir as palavras da amiga, Sofia congelou… nem sabe quanto tempo ficou em silêncio, se foram minutos ou apenas alguns segundos. Do outro lado a amiga continuava:
-Que vais fazer? Vens? É a tua mãe…
Toda ela tremia sentou-se na beira da cama sem saber o que responder. Agradeceu à única amiga que mantinha em Portugal disse que iria pensar e desligou.
Já tinham passado 15 anos desde a última vez que vira a mãe e agora o passado tinha voltado para a atormentar.
Ela sempre amara aquela mãe tão meiga e amorosa.
Mas a submissão que dedicava ao seu pai sempre fora motivo de discussão, Sofia não tolerava o pai, era um homem austero, frio e de pouca conversa.
A infância foi passada nas margens do Douro onde o pai tinha vinhas a perder de vista, a sua única companhia era o João filho do caseiro, nem o facto de ser três anos mais velho impediu esta amizade. Ele era seu amigo, talvez o único que não a gozava pelos cabelos avermelhados que tinha.
Mas os anos passaram, Sofia tornou-se uma menina/mulher e o pai proibiu aquela amizade. O João era o filho do caseiro, não era alguém do nosso meio. Ela não entendia que meio o pai falava, o João sempre estivera ali para ela, e agora era mais que amigo, era alguém por quem ela suspirava de noite quando estava sozinha no quarto, era sempre ele que invadia os seus sonhos e era com ele que ela se imaginava um dia entrar na igreja.
Quis o destino que nada disso acontecesse, e um dia com apenas 17 anos Sofia confessou à mãe que estava grávida do João, viu a mãe ficar pálida e as lágrimas escorriam pela face enrugada mas não pronunciou qualquer palavra, Sofia sabia que as palavras sairiam da boca do seu pai e não seriam nada bonitas, mas isso não a incomodava, aprendera desde cedo a fazer-lhe frente e a nunca chorar na sua presença.
E com a noite veio o seu maior pesadelo, o seu pai…

(continua...)

segunda-feira, 25 de março de 2013




Ele tinha uma rotina diária que a irritava profundamente, abrir a persiana mal acordava, ela já tinha perdido a conta ao número de vezes que lhe pedia para não o fazer, mas ele pura e simplesmente ignorava.
Com aquele gesto diário ele insinuava que a opinião dela valia zero.
Com os olhos semi cerrados olhava-o a movimentar-se no quarto. Houve momentos em que aquela imagem permanecia com ela durante todo o dia, e a hora de chegar a casa era uma alegria.
Agora já não. Ela tenta sempre atrasar a hora de voltar, seja com uma ida ao cabeleireiro, seja com reuniões fora de horas ou mesmo uma visita a uma amiga (inventada)que ele não conhece e que precisa de ajuda.
Mas essas horas são passadas à beira rio. Ali tarda o regresso, atrasa discussões e esquece da vida.
Já o amou demais... Por ele discutiu com os pais, abandonou a aldeia onde nasceu, deixou a escola e os amigos  e encerrou uma parte da sua história. Ir viver para a capital sempre tinha sido o seu sonho de menina. Mas Lisboa embora fosse uma cidade grande tornou-se sufocante, e ela sentia saudades...
Ele mudou... Mas ela também mudara...
A menina que chegou a Lisboa já não existe mais, disso ela tem a certeza. Do que ela não tem a certeza é se o deixou de amar, ou se é só uma fase. As novas amigas dizem que é normal acontecer, que ele tem uma vida ocupada mas que a adora.
Só que para ele já é tarde demais, ela tem tudo planeado. Fingiu dormir quando ele chegou perto para lhe dar um beijo na testa. Houve alturas que aquele beijo a incendiava e ela procurava sempre mais,  ele sorrindo dava-lhe todos os que ela pedia. Agora finge dormir... tudo mudou.
Mal ouviu a porta do prédio fechar agarrou na mala e começou a enchê-la de roupa, não levaria mais que o que trouxera, os vestidos, sapatos e casacos que ele lhe tinha comprado ficavam no armário. Nunca tinha sido feliz com eles, sempre se sentiu um troféu e isso incomodava-a.
Pegou numa folha e escreveu:
"Por favor não me procures, preciso voltar a sonhar. Não te culpes, quando o amor morre a culpa não é de ninguém. Sê feliz."
Pegou na mala e no casaco e saíu. A estação dos comboios seria o próximo destino, depois a aldeia onde foi feliz.
Ele tentou ligar-lhe durante todo o dia, ela não atendeu. Não sabia porquê, mas sentia um aperto no peito e uma vontade enorme de largar tudo e ir para casa, mal a reunião terminou pegou no carro e lançou-se na estrada como nunca o tinha feito. Mal abriu a porta pressentiu que algo estava errado, as chaves no cinzeiro denunciavam que ela estaría em casa, mas a escuridão tinha um peso que ele não conhecia.
Chamou-a... e nada!
Ficou em pânico, correu todas as divisões mas só quando entrou no quarto é que viu o bilhete em cima da cama, leu-o...tornou a ler... e chorou como uma criança. Ele tinha descuidado da mulher que amava e agora perdera-a para sempre. Chorou até que o cansaço o venceu.
Ela acordou quando o comboio anunciou a chegada à aldeia, sorriu... pela primeira vez em muitos meses sentia-se em paz, agora tinha a certeza que já não o amava...





Dia 25 de Março de 2013 nasce um novo blogue



Aqui neste espaço nascerão histórias contadas quase sempre na terceira pessoa.
Não será sobre mim, nem sobre vocês. Serão histórias de todos nós.
Espero que em algum momento alguns de vós se identifiquem com alguma delas.
Por aqui lançar-se-ão letras e sentimentos ao vento, na esperança que formem palavras e frases com algum sentido.
Neste blogue não encontrarão nada de mim, mas sim um pouco de todos nós.


Bem Vindos