Dizem que escrever é uma forma de Auto amor.

Mas eu acho que escrever nada mais é do que emprestar a própria atenção a si mesma.

É o olhar para dentro, e ver o que temos de mais íntimo e criativo dentro de nós.

Já ouvi por aí dizer que “escrever poupa-nos idas ao psiquiatra”.

Assim sendo…

Pouparei decerto idas ao psiquiatra. E espero com isso levar alegria e amor a todos vocês.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Já passavam das nove da noite quando entrou em casa, acendeu a luz, tirou o casaco, desapertou o nó da gravata, serviu-se de um whisky e sentou-se no sofá completamente estafado, o dia tinha sido cansativo e emocionalmente forte.
Tivera reuniões de manhã e à tarde, já estava farto de apresentar o seu projecto e não ser aceite por nenhuma empresa, (mas ele tinha aprendido a nunca desistir) e ainda por cima a secretária da última empresa onde tinha estado usava um perfume que Carlos preferia não mais ter de cheirar, quando entrou na sala, o coração bateu mais forte quando sentiu o aroma fresco a flores, poucas mulheres usavam aquele perfume e desde que ela partira ele nunca mais tinha sentido a sua presença, até ontem...
Ligou a televisão, e rodopiou de canal em canal não prestando qualquer atenção a nenhum deles, ele só queria mesmo era tirá-la da cabeça.
Bolas, durante seis meses sofreu o pão que o diabo amassou, chorou todas as lágrimas a que tinha direito, deixara de trabalhar e bebia para esquecer o quão burro tinha sido.
Ele amava e sabia que era amado, então porque fora tão casmurro ao ponto de querer cortar as asas a uma borboleta se já sabia que elas morrem sem elas.
Carlos sabia do sonho dela em ser repórter de guerra, sabia que, desde menina ela fazia reportagens em frente ao espelho usando uma escova de cabelo como microfone. Ele sabia porque ele estava lá, ele sabia porque vibrava com a garra dela e gostava tanto de a ouvir inventar cenários de guerra e outras reportagens, fora ele que lhe dera força para que deixasse o Alentejo e seguisse para a capital para tornar o sonho realidade.
Afinal eles conheciam-se desde sempre.
Ele ficou em Évora a tirar arquitectura e viam-se aos fins-de-semana, o amor foi crescendo e eles também, quando ambos terminaram o curso ele mudou-se para Lisboa e foi viver com ela, a capital mostrava mais oportunidades para eles, e ela logo conseguiu o seu lugar num jornal, não era bem o que queria, mas Diana sabia que era por ali que devia começar.
Um dia convidaram-na para fazer uma reportagem sobre a Guiné, e ela estivera uma semana fora, foi demais para ele, quando ela chegou começaram as discussões, Carlos queria que ela fosse jornalista em Lisboa, mas Diana já sonhava com outros destinos e afinal foi para isso que estudou.
Hoje ele entende, mas há cinco anos atrás obrigou-a a tomar uma decisão, ou ele ou a profissão, (que inconsequente tinha sido) claro que ela nunca abandonaria a profissão e Carlos sabia-o melhor que ninguém...
Um dia ela recebeu uma proposta que seria irrecusável, ser enviada especial no Médio Oriente para um canal de televisão, ele viu-a chorar de alegria, por dentro ele também sentia orgulho naquela menina que um dia tinha deixado tudo numa aldeia Alentejana e procurado os sonhos numa cidade desconhecida, mas por outro lado o amor que sentia por ela obrigava-o a pelo menos tentar dissuadi-la mostrando-lhe como poderia ser perigoso, que nunca mais se iriam ver... tentava cortar as asas da sua borboleta.
Ela ainda tentou, " vem comigo Carlos, podes arranjar trabalho no Dubai, afinal é lá que eu vou estar a viver" mas ele fora intransigente e não aceitara.
Dois meses depois ela partiu...
Despediram-se como se soubessem que aquele beijo seria o último, e foi...
Carlos deixara de atender as chamadas, não respondia aos e-mails e nem via o canal onde ela estava, ele só queria esquecê-la, até tinha mais ou menos conseguido não pensar nela todos os minutos, até hoje... diabos do perfume.
Levantou-se embrulhado em pensamentos, colocou uma pizza no microondas e pegou numa cerveja e voltou para a sala, resolveu  ficar a ouvir a notícias na CNN, pelo menos ali não corria o risco de a ver.
O microondas deu sinal que o jantar estava pronto, foi buscar a pizza e levou-a para a sala, quando ouve a notícia de um bombardeamento na sede da ONU no Iraque, morreram alguns trabalhadores da sede mas também alguns jornalistas que ali estavam numa conferência de imprensa.
Levou uma fatia à boca e ficou inerte a olhar para a TV. O bombardeamento tinha sido ontem, hoje estavam a mostrar a lista dos jornalistas mortos e feridos. O repórter no local ia pouco a pouco desvendando a lista, nome por nome, país por país, e ele continuava com a pizza perto da boca e o coração quase parado, e dos seus lábios só uma palavra era murmurada "Diana"...
Mas do outro lado, já tinham mudado de assunto e os nomes Diana ou Portugal não tinham sido mencionados.
Voltou a colocar a pizza no prato e pensou em ligar-lhe, mas não sabia o que dizer ao fim de cinco anos, e também porque fora ele a cortar com ela. Carlos sabia que não conseguiria dormir se não o fizesse, mas... e se do outro lado atendesse um homem? E se ela já tivesse refeito a vida? Se já tivesse filhos?
As perguntas martelavam a cabeça dele, mas o amor que sentia por ela era mais forte, agora tinha a certeza.
Pegou no telemóvel, as mãos tremiam... já passavam das 22 horas em Lisboa, ele nem imaginava que horas seriam no Dubai. Não, o melhor mesmo seria um e-mail a dizer que estava arrependido, que a amava, que queria estar com ela nem que fosse no fim do mundo, que largaria tudo, esperava a resposta dela...
Enviou a mensagem... E deixou o  seu destino nas mãos de Diana.
Passaram-se três dias e nada de resposta, a cabeça dele andava a mil à hora e nem saía mais de casa. Até que uma noite ouviu o som de mensagem recebida e com um nó no estômago dirigiu-se ao PC, era dela...
Clicou em abrir, com o coração na garganta que quase o impedia de respirar olhou para o que estava escrito...
Poucas palavras, e cada uma delas era como se um punhal gelado se enterrasse na sua carne...
"Abandonaste-me quando mais precisei de ti, deixaste-me só num país que não conhecia, em uma cultura que não era a minha, esperava muito mais de ti Carlos, sabes que até fome eu passei? Não atendeste as minhas chamadas quando o que eu precisava era de ouvir uma voz amiga que me escutasse, não respondeste aos e-mails onde eu te enviava palavras de carinho em tom de SOS, ignoraste-me e eu limitei-me a matar aquele amor adolescente, porque o homem que te tornaste eu não conheço mais, por favor não venhas"
E pela primeira vez em cinco anos Carlos voltou a chorar por ela...
E pela última vez Diana chorou por ele, assim prometeu a si mesma.
Tinha chorado durante cinco anos por ele, aquele e-mail só veio acelerar a vontade que ela tinha de o ver, mas tinha de ser forte, e escrever o que tinha vontade mas ainda não tinha tido coragem, agradecia-lhe o facto de ele ter enviado e-mail em vez de telefonar, Diana não sabia se resistiria à sua voz, afinal as palavras escritas são tão mais fáceis de pronunciar...


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Encontrava-o todos os dias na estação de metro, sempre de fato e gravata e a ler o jornal, não era bonito de morrer, mas havia algo nele que a fascinava.
Não sabia se era o ar misterioso, ou o charme que emanava a cada gesto.
Parecia estar perto dos quarenta anos, mas podia muito bem ter mais ou menos, ela nunca fora muito bem a designar idades, mas isso não lhe interessava.
Um dia sentou-se ao lado dele só para olhar para as mãos, tinha um anel de curso, mas nada de aliança (claro que isso também não era sinónimo de nada) ela estava fascinada por ele e ninguém a demovia de tentar saber quem era, onde trabalhava e principalmente se era comprometido. Mas o facto de ele nem reparar nela não ajudava muito.
As amigas riam da "paixão" pelo homem do metro, mas ela nem ligava.
Ele fazia um esforço enorme para não olhar para aquela menina que todos os dias encontrava no metro, ela pouco passava dos vinte e ele aproximava-se a passos largos para os quarenta (faltavam 15 dias). Mas os fascínio crescia a cada dia, e estava difícil de controlar a vontade de meter conversa.
Chegava cedo ao metro, podia apanhar dois antes de ela chegar, mas se o fizesse perdia a chance de vê-la chegar a sorrir com as amigas, gostava do ar descontraído e rebelde, os cabelos eram longos e negros e estavam quase sempre apanhados, quando não estavam ela arranjava maneira de os prender com o lápis durante a viagem, como se a incomodassem e ela nem ligasse ao pormenor de ter os cabelos mais lindos que ele jamais vira. Assim como não se importava de se sentar no chão com as calças de ganga já roçadas enquanto estudava um livro técnico de engenharia. Desde o primeiro momento ficou encantado por aquela menina, de vez em quando os olhares cruzavam-se e ele sentia um aperto no peito, aqueles olhos negros perseguiam-no durante todo o dia e ele logo desviava o olhar como se ela fosse só mais uma no metro.
Um dia foi promovido e mudou para o Porto, nunca mais a viu.
Um dia ela acabou o curso e voltou para a cidade natal.
E assim se passaram quase dez anos, ele nunca a esqueceu, ela lembrava-se dele de vez em quando...
O director pediu-lhe para o substituir num jantar com dois gerentes bancários, ela sabia muito bem negociar empréstimos e juros, isso não a incomodava e até gostava de os ver ceder, depois de horas de argumentos que ela tão bem defendia.
Depois de levar toda a tarde a juntar relatórios e a fazer contas quando deu por isso já era bastante tarde, só teve tempo de tomar um duche, maquilhar-se um pouco e escovar os cabelos negros que já passavam dos ombros e ela nunca tinha tempo para cortar.
Quando ele chegou já o colega e concorrente o aguardava, cumprimentaram-se e começaram a conversar sobre o assunto que iria ser debatido.
-Prepara-te que vem aí uma Dra, o Eng. não pode vir. Sabes como elas são dificeis de negociar...
-Ui... respondeu ele, a noite promete... deve ser uma daquelas solteironas ressabiadas que odeiam homens. E desataram os dois a rir enquanto bebericavam um Martini.
Ela estacionou longe, o parque do restaurante estava cheio, estava vento e começava a chuviscar, tudo contra mim (pensou ela) quando entrou no restaurante despiu o casaco, ajeitou os cabelos e perguntou qual a mesa reservada pela empresa, quando indicada ela olhou de soslaio e viu dois homens de fato já sentados, o que estava de frente para ela era jovem, ela até o achou jovem demais para aquele assunto, mas depois pensou nela propria e não fez juízos de valor sobre a idade, o outro que estava de costas parecia mais velho e o cabelo já picava o branco.
Encaminhou-se para a mesa, disse boa noite, cumprimentou-os com um aperto de mão, identificou-se e sentou-se.
Ele congelou no momento... Era ela, a menina do metro, a menina das calças roçadas e cabelos negros apanhados, só que agora ela usava uma saia justa e uma camisa aberta que deixava antever um dos seios, mas o cabelo era o mesmo...
Ela olhou para ele, a cara era-lhe familiar mas não conseguia ver de onde...
Até que a meio do jantar os olhares encontraram-se e ela finalmente associou o homem à sua frente à sua "paixão platónica" do metro quando tinha vinte anos.
Sorriu para ele, ele retribuiu... a noite ía ser longa...


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Acordou com a voz do filho que lhe perguntava:
-Estás bem mãe, dormiste no sofá?
-Não meu querido, acordei mais cedo para fazer uns relatórios e acabei encostada no sofá. Vai lá tomar o pequeno almoço senão chegas tarde à escola.
Ficou a olhar para o filho enquanto ele se dirigia para a cozinha, estava a ficar um homem, ombros largos e voz grave, e mais uma vez a presença do João fez-se notar, quando o viu andar de um lado para o outro da cozinha coçando a cabeça meio desnorteado.
O João coçava a cabeça, sempre que na escola lhe era feita uma pergunta mais difícil.
O seu filho fazia o mesmo, sempre que não encontrava o que queria ou quando estava nervoso.
Até ontem ela achava engraçado todas essas semelhanças, hoje parece-lhe que o passado entrou porta dentro como um furacão sem pedir licença, estava desprevenida e ficou sem reacção. E se havia coisa que ela detestava eram surpresas. A vida já a tinha surpreendido vezes demais até que ela começou a aprender a tomar as rédeas do seu proprio destino. Assim pensava...
Levantou-se do sofá como uma enorme dor de cabeça, e foi tomar duche.
A vida não tinha estagnado e ela precisava ir trabalhar. Saíram os dois juntos de casa, levou o filho à escola e foi directa para a empresa, uma reunião importante aguardava-a.
Durante todo o dia as palavras da amiga não lhe saíam da cabeça, a sua mãe estava doente...
Só Deus sabe como ela gostava da mãe, mas nunca lhe tinha perdoado o facto de não ter enfrentado o seu pai naquela noite para a defender, afinal ela só tinha 17 anos e precisava daquela mãe mais que nunca mas a mãe não abriu a boca nem quando o seu destino foi traçado.
Saíu mais cedo do trabalho e dirigiu-se ao Central Park, gostava de pensar enquanto via as crianças divertirem-se na pista de gelo, ali sentia-se um pouco mais perto do Douro, o cheiro a terra molhada dava-lhe paz e era isso que Sofia precisava para tomar a decisão da sua vida.
Pensou na sua mãe debilitada numa cama de hospital, frágil... ela sempre fora frágil, mas agora devia estar pior. Gostava de a ver, nem que fosse para lhe perguntar como tinha sido a sua vida durante 15 anos sem saber da sua única filha, se tinha dormido em paz durante estes anos.
Pensou no João, já devia ter uma familia e concerteza nunca mais se tinha lembrado dela.
(A única pessoa com quem mantinha contacto era a amiga que lhe telefonava ás vezes, mas tinha ficado decidido que ela nunca falaria dos pais ou do João, era a regra para manterem contacto, e a amiga tinha cumprido, até à doença da mãe)
Pensou no pai, aquele homem rude e frio que tinha cruelmente assassinado todos os seus sonhos.
Pensou no filho, aquele ser que ela tinha gerado contra tudo e contra todos, aquele menino meigo que ela amava acima de qualquer outra pessoa, aquele adolescente ás vezes tão rebelde mas que a fazia renascer a cada amanhecer quando entrava de rompante no seu quarto para a beijar até ela acordar.
Era por ele que Sofia vivia, fora por ele que ela recusara as várias investidas do seu colega, e foi por ele que ela abandonou tudo. Para que aquele ser que ela nem conhecia ainda, pudesse vir a este mundo.
E seria também por ele que Sofia não voltaria a Portugal.
Nada era mais importante na sua vida, a Sofia que nasceu e cresceu à beira do rio Douro morreu no dia que o pai a expulsou de casa. Agora só existia ela e o filho, que era sem saber, fruto do único amor da vida da sua mãe.

{The End}