Já passavam das nove da noite quando entrou em casa, acendeu a luz, tirou o casaco, desapertou o nó da gravata, serviu-se de um whisky e sentou-se no sofá completamente estafado, o dia tinha sido cansativo e emocionalmente forte.
Tivera reuniões de manhã e à tarde, já estava farto de apresentar o seu projecto e não ser aceite por nenhuma empresa, (mas ele tinha aprendido a nunca desistir) e ainda por cima a secretária da última empresa onde tinha estado usava um perfume que Carlos preferia não mais ter de cheirar, quando entrou na sala, o coração bateu mais forte quando sentiu o aroma fresco a flores, poucas mulheres usavam aquele perfume e desde que ela partira ele nunca mais tinha sentido a sua presença, até ontem...
Ligou a televisão, e rodopiou de canal em canal não prestando qualquer atenção a nenhum deles, ele só queria mesmo era tirá-la da cabeça.
Bolas, durante seis meses sofreu o pão que o diabo amassou, chorou todas as lágrimas a que tinha direito, deixara de trabalhar e bebia para esquecer o quão burro tinha sido.
Ele amava e sabia que era amado, então porque fora tão casmurro ao ponto de querer cortar as asas a uma borboleta se já sabia que elas morrem sem elas.
Carlos sabia do sonho dela em ser repórter de guerra, sabia que, desde menina ela fazia reportagens em frente ao espelho usando uma escova de cabelo como microfone. Ele sabia porque ele estava lá, ele sabia porque vibrava com a garra dela e gostava tanto de a ouvir inventar cenários de guerra e outras reportagens, fora ele que lhe dera força para que deixasse o Alentejo e seguisse para a capital para tornar o sonho realidade.
Afinal eles conheciam-se desde sempre.
Ele ficou em Évora a tirar arquitectura e viam-se aos fins-de-semana, o amor foi crescendo e eles também, quando ambos terminaram o curso ele mudou-se para Lisboa e foi viver com ela, a capital mostrava mais oportunidades para eles, e ela logo conseguiu o seu lugar num jornal, não era bem o que queria, mas Diana sabia que era por ali que devia começar.
Um dia convidaram-na para fazer uma reportagem sobre a Guiné, e ela estivera uma semana fora, foi demais para ele, quando ela chegou começaram as discussões, Carlos queria que ela fosse jornalista em Lisboa, mas Diana já sonhava com outros destinos e afinal foi para isso que estudou.
Hoje ele entende, mas há cinco anos atrás obrigou-a a tomar uma decisão, ou ele ou a profissão, (que inconsequente tinha sido) claro que ela nunca abandonaria a profissão e Carlos sabia-o melhor que ninguém...
Um dia ela recebeu uma proposta que seria irrecusável, ser enviada especial no Médio Oriente para um canal de televisão, ele viu-a chorar de alegria, por dentro ele também sentia orgulho naquela menina que um dia tinha deixado tudo numa aldeia Alentejana e procurado os sonhos numa cidade desconhecida, mas por outro lado o amor que sentia por ela obrigava-o a pelo menos tentar dissuadi-la mostrando-lhe como poderia ser perigoso, que nunca mais se iriam ver... tentava cortar as asas da sua borboleta.
Ela ainda tentou, " vem comigo Carlos, podes arranjar trabalho no Dubai, afinal é lá que eu vou estar a viver" mas ele fora intransigente e não aceitara.
Dois meses depois ela partiu...
Despediram-se como se soubessem que aquele beijo seria o último, e foi...
Carlos deixara de atender as chamadas, não respondia aos e-mails e nem via o canal onde ela estava, ele só queria esquecê-la, até tinha mais ou menos conseguido não pensar nela todos os minutos, até hoje... diabos do perfume.
Levantou-se embrulhado em pensamentos, colocou uma pizza no microondas e pegou numa cerveja e voltou para a sala, resolveu ficar a ouvir a notícias na CNN, pelo menos ali não corria o risco de a ver.
O microondas deu sinal que o jantar estava pronto, foi buscar a pizza e levou-a para a sala, quando ouve a notícia de um bombardeamento na sede da ONU no Iraque, morreram alguns trabalhadores da sede mas também alguns jornalistas que ali estavam numa conferência de imprensa.
Levou uma fatia à boca e ficou inerte a olhar para a TV. O bombardeamento tinha sido ontem, hoje estavam a mostrar a lista dos jornalistas mortos e feridos. O repórter no local ia pouco a pouco desvendando a lista, nome por nome, país por país, e ele continuava com a pizza perto da boca e o coração quase parado, e dos seus lábios só uma palavra era murmurada "Diana"...
Mas do outro lado, já tinham mudado de assunto e os nomes Diana ou Portugal não tinham sido mencionados.
Voltou a colocar a pizza no prato e pensou em ligar-lhe, mas não sabia o que dizer ao fim de cinco anos, e também porque fora ele a cortar com ela. Carlos sabia que não conseguiria dormir se não o fizesse, mas... e se do outro lado atendesse um homem? E se ela já tivesse refeito a vida? Se já tivesse filhos?
As perguntas martelavam a cabeça dele, mas o amor que sentia por ela era mais forte, agora tinha a certeza.
Pegou no telemóvel, as mãos tremiam... já passavam das 22 horas em Lisboa, ele nem imaginava que horas seriam no Dubai. Não, o melhor mesmo seria um e-mail a dizer que estava arrependido, que a amava, que queria estar com ela nem que fosse no fim do mundo, que largaria tudo, esperava a resposta dela...
Enviou a mensagem... E deixou o seu destino nas mãos de Diana.
Passaram-se três dias e nada de resposta, a cabeça dele andava a mil à hora e nem saía mais de casa. Até que uma noite ouviu o som de mensagem recebida e com um nó no estômago dirigiu-se ao PC, era dela...
Clicou em abrir, com o coração na garganta que quase o impedia de respirar olhou para o que estava escrito...
Poucas palavras, e cada uma delas era como se um punhal gelado se enterrasse na sua carne...
"Abandonaste-me quando mais precisei de ti, deixaste-me só num país que não conhecia, em uma cultura que não era a minha, esperava muito mais de ti Carlos, sabes que até fome eu passei? Não atendeste as minhas chamadas quando o que eu precisava era de ouvir uma voz amiga que me escutasse, não respondeste aos e-mails onde eu te enviava palavras de carinho em tom de SOS, ignoraste-me e eu limitei-me a matar aquele amor adolescente, porque o homem que te tornaste eu não conheço mais, por favor não venhas"
E pela primeira vez em cinco anos Carlos voltou a chorar por ela...
E pela última vez Diana chorou por ele, assim prometeu a si mesma.
Tinha chorado durante cinco anos por ele, aquele e-mail só veio acelerar a vontade que ela tinha de o ver, mas tinha de ser forte, e escrever o que tinha vontade mas ainda não tinha tido coragem, agradecia-lhe o facto de ele ter enviado e-mail em vez de telefonar, Diana não sabia se resistiria à sua voz, afinal as palavras escritas são tão mais fáceis de pronunciar...