Dizem que escrever é uma forma de Auto amor.

Mas eu acho que escrever nada mais é do que emprestar a própria atenção a si mesma.

É o olhar para dentro, e ver o que temos de mais íntimo e criativo dentro de nós.

Já ouvi por aí dizer que “escrever poupa-nos idas ao psiquiatra”.

Assim sendo…

Pouparei decerto idas ao psiquiatra. E espero com isso levar alegria e amor a todos vocês.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

O amor não existe, o que existe são provas de amor.

O quarto, numa semi penumbra, onde se misturavam os odores de certos fármacos  com os das rosas acabadas de colher, tem uma paz muito própria.
Joana pode durar horas, minutos, ou segundos. O médico, ao sair, avisara os filhos, Gonçalo e Rodrigo do vaticínio clinico.
Um de cada lado da sua cabeceira, guardam entre as deles, cada uma das mãos de sua mãe que, embora com uma respiração já muito fraca, conseguia manter o olhar sereno dos últimos dias.
Rodrigo, com lágrimas silenciosas a correrem-lhe pelo rosto, recorda os tempos de menino em que aquela mão, então vigorosa, lhe percorria os cabelos, acarinhando-lhe a nuca nos imprescindíveis momentos que antecediam o adormecer. A mesma mão que todas as manhãs, pelas seis e meia , o levantava ensonado, o vestia e levava ao autocarro do colégio. Essa mão que durante anos, semanalmente lhe escrevia, nas longas férias passadas no Alentejo, em casa dos avós e, mais tarde, nas primeiras viagens feitas ao estrangeiro, ainda muito jovem, nas excursões do colégio.
Rodrigo era sempre o que ,tinha mais correio da família e orgulhava-se disso. Tinha saído a primeira vez a Dijon, talvez com onze anos. Fora um mês de corte umbilical, que tanto lhe custara na altura, mas que iniciara, sabe-o hoje, o espírito aventureiro que ainda sente dentro de si.  
Fora também aquela mão que, acidentalmente, lhe dera algumas nalgadas, quando a rebeldia era considerada excessiva. 
Ainda as mesmas mãos que lhe haviam dado a carta de alforria- a chave de casa- entre as muitas que havia de perder... Foram ainda elas, hoje tão frágeis, que sempre encontrara nas alturas em que delas mais precisava.
Gonçalo não chora. Tem os olhos tão secos e o rosto tão tenso, que toma a expressão das ocasiões em que as lágrimas não conseguem passar do aperto da garganta... Como em menino...
Amava aquela mãe, com o afecto mais profundo que se sentia capaz. Mantivera sempre com ela uma relação turbulenta, porque sentindo-se da sua fibra, não conseguia partilhar a sua forma de pensar. Fora um "gostar contido" como as convicções o haviam, aliás, ensinado.
Os anos conseguiram adoçar lentamente aquelas arestas mais duras entre ambos.
Hoje, perguntava-se a si próprio, quantas pessoas ele respeitaria tanto como aquela mãe, simultaneamente tão diferente e tão igual.
Joana fez um ligeiro movimento de corpo e os olhos passaram de um para outro dos seus filhos. Ela sabia que o seu tempo estava por um fio, e que aquelas eram as derradeiras imagens que levaria consigo.
De tudo quanto fizera na vida, nada passara aos lado destes filhos, tão diferentes e tão amigos. Por instantes recordou nos dois, o pai de ambos, parecendo-lhe mesmo, vê-lo em cada um deles.
Lembrou-se também da avó, da mãe, do avô, do pai e de repente, viu-os ali todos, entreo o Gonçalo e o Rodrigo.
Queria falar, precisava de se despedir, mas não conseguia articular uma só palavra. Tanta coisa, tanta ... que ficara por dizer. Tanto carinho, tanto gesto que ficara por fazer...
Ela só queria confessar-lhes isso. Mas o som não saía...
Reunindo as últimas forças, apenas conseguiu apertar forte e juntar no seu coração, uma sobre a outra as mãos dos dois. Exactamente  como há muitos anos atrás, quando ela era criança, fizera no leito de morte de sua mãe.
Ela sabia que eles iriam fechar os seus olhos...
Sorriu-lhes com ternura e morreu. Serena...

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Ao atender o telefone que insistentemente exigia atenção, o seu mundo desabou.
Entre soluços e lamentos, a voz do outro lado da linha, informa-a que o seu amigo, o seu companheiro de jornada, seu ombro amigo, havia sofrido um grave acidente, vindo a falecer quase que instantaneamente.
Desliga o telefone e caminha a passos lentos para o  quarto, seu refugio particular.
Logo um conjunto de imagens vieram à sua mente... a faculdade, as bebedeiras, as conversas em volta da lareira até altas da madrugada, os amores não correspondidos, as confidências ao pé do ouvido, a cumplicidade, os sorrisos...ahhhhhh, os sorrisos...como eram fáceis de surgir naquela época. Lembrou-se da queima das fitas, de um novo horizonte que surgia... das lágrimas na hora da despedida! E principalmente das promessas de novos encontros.
Conseguia visualizar cada feição dele, nos seus olhos ela tinha a promessa de que nunca seria esquecida.
E realmente nunca foi… Perdeu a conta das vezes em que ele carinhosamente lhe ligava, quando sabia que ela estava no fundo do poço... Ou das mensagens, (que nunca respondeu) que ele constantemente enviava enchendo o seu telemóvel de esperanças e promessas de um mundo melhor.
Lembrou-se que foi no seu ombro que chorou a morte do seu pai. Lembrou-se ainda que foi no seu ouvido que derramou as lamentações de uma relação que não vingou e que foi o seu rosto que viu quando acordou de uma cirurgia.
Fez um esforço para vasculhar na sua mente, mas não conseguiu lembrar-se de uma só vez em que tenha pegado no telefone para lhe ligar e dizer o quão importante a sua amizade era para ela.
Afinal era uma mulher muito ocupada.
Não tinha tempo…
Não se lembrava de ter feito qualquer tipo de surpresa, como aparecer de repente com uma garrafa de vinho e um coração aberto, disposto a ouvir.
Não tinha tempo…
Não se lembrava de ter dispensado um só dia para ouvir os seus problemas, acho que nunca imaginou que ele tivesse problemas. Nunca se dignou a reparar que constantemente o seu amigo passava da conta na bebida, até achava divertido o seu jeito bêbado de ser, afinal ele era sempre uma óptima companhia...
Só agora vê claramente o seu egoísmo. Talvez - e este "Talvez" vai acompanha-la eternamente, se tivesse descido do seu pedestal egocêntrico e prestado mais atenção, o seu amigo não teria bebido demais e não teria jogado a sua vida fora, ao perder o controle de um carro que com certeza não tinha a mínima condição de conduzir.
Nunca pensou que ele, a pessoa que sempre inundou o seu mundo com a sua iluminada presença, se estivesse sentindo só. Até mesmo as mensagens engraçadas que ele constantemente deixava no seu telemóvel, poderiam ser o seu jeito de pedir ajuda...
Aquelas mensagens que ela apagava quase de imediato, jamais se apagarão da sua consciência. Estas indagações que inundam agora o seu ser, nunca mais terão resposta. A sua falta de tempo impediu-a de respondê-las.
Agora, lentamente escolhe uma roupa preta, digna do seu estado de espirito e pega no telefone. Avisa o chefe de que não vai trabalhar hoje e quem sabe nem amanhã, nem depois...
Irá tirar o dia para homenagear com o seu pranto uma das pessoas que mais amou na vida.
Ao desligar o telefone, repara com surpresa, entre lágrimas e remorsos, de que para isto, para acompanhar durante um dia inteiro o seu corpo sem vida, ela terá tempo!
Descobriu naquele dia, que se não tomar as rédeas da sua vida, o tempo engole-a e escraviza-a.
Trabalha com o mesmo afinco de sempre, mas somente é profissional durante o horário de expediente, fora dele,é um ser humano!
Nunca mais uma mensagem ficou sem pelo menos um "Olá" de resposta.
Tenta enviar sempre aos seus amigos diversas mensagens de amizade. Escreve postais de Feliz aniversário e de Natal, lembrando sempre como essas pessoas são importantes para si.
Abraça constantemente a mãe e família, pois os laços que os unem são eternos.
Porque esses momentos costumam desaparecer com o tempo, e todo o cuidado é pouco.
Ela aprendeu da pior maneira possível…

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ela não esperava que ele se lembrasse.
Ele sabia que era o aniversário dela, lembrava-se até da hora em que ela tinha nascido. Andou todo o dia com o telemóvel na mão, no visor lia-se o nome dela, mas faltava-lhe o mais importante… a coragem para finalizar a chamada.
O dia já ia longo, as primeiras estrelas apontavam no céu, mas ela não tinha vontade de regressar para uma casa vazia. Os colegas até lhe fizeram um almoço surpresa, a mãe ligou-lhe logo cedo, os amigos ligaram para a convencer a comemorar num bar, mas ela boicotou as investidas, alegando que estava cansada e tinha trabalho logo cedo.
No carro o rádio anunciava as 21 horas, alertava para as notícias, mas o pensamento dele estava longe dali. A cena que ele imaginava incluía beijos, abraços, risos, flores, jantar e sexo… Não necessariamente por esta ordem. Sorriu e voltou a olhar para o telemóvel…
Ela resolveu voltar a pé para casa, tinha tempo e as noites ainda eram amenas. Voltou a pensar nele, curiosamente sentiu uma certa nostalgia. Encolheu os ombros, ajeitou o cabelo e respirou fundo, até ontem achava que tinha tomado a decisão certa, hoje já não tinha tanta certeza. Sentiu saudades…
Ele lembrou-se da última noite que passaram juntos, onde os beijos foram trocados por palavras cruéis, os abraços por gestos brutos, e por toda a casa ficaram espalhados pedaços de amor por fazer, no fim da noite só a ausência dela permanecia intacta.
Doíam-lhe os pés, estava cansada, triste, só… sentiu vontade de chorar, até o teria feito se não fosse a sua vizinha meter conversa, normalmente teria gostado de uns minutos de cavaqueira, mas hoje não lhe apetecia, arranjou uma desculpa e subiu.
Ele continuava às voltas pela cidade, por momentos pensou que se ao menos soubesse onde ela morava… Abanou a cabeça com violência, se não tinha coragem para lhe ligar, quanto mais ir a casa dela. Não era covardia, simplesmente respeito pela vontade dela, só não sabia se o “não me procures mais” englobava o dia de aniversário.
Entrou em casa, descalçou os malvados sapatos, colocou a água a correr na banheira, despiu-se e entrou na água quente cheia de espuma, fechou os olhos e relaxou. Estava tudo perfeito, até que ele invadiu-lhe novamente o pensamento… diabos, pensou ela… hoje não! Até que uma mensagem a despertou da letargia… olhou para o visor e o seu coração quase parou de bater.
“Ponderei durante horas se o devia fazer ou não, mas resolvi sabotar o silêncio imposto por ti. Parabéns Sara, espero que estejas feliz, ass: André”
Chorou… não, não estava feliz… sentia a falta dele todos os dias, mas era orgulhosa demais para o admitir. Afinal ele não esqueceu o dia, ele não a esqueceu. Saltou da banheira num pulo, e mesmo molhada respondeu-lhe:
“Senti tanto a tua falta, vem…”
A visão embaçada pelas lágrimas não o deixavam ver bem a estrada, o coração estava a ponto de sair disparado pela boca, o corpo tremia e chamava por ela.
Hoje, ele tinha a certeza… o amor não ficaria por fazer…